A reincidência é um dos fatores que mais agravam a situação de um réu no processo penal — e, além disso, também interfere de forma significativa na execução da pena, dificultando o acesso a benefícios previstos em lei.
Sobretudo no senso comum, o termo costuma estar associado à ideia de alguém que “volta a cometer crimes por hábito”. Contudo, a realidade jurídica é bem diferente: a reincidência é um instituto técnico, regido por regras objetivas do Código Penal, e não depende de intenção, frequência ou gravidade do novo delito.
O que é reincidência no Código Penal?
Antes de tudo, é preciso deixar claro que não significa repetir o mesmo crime. De acordo com o artigo 63 do Código Penal, qualquer pessoa que, após condenação criminal com trânsito em julgado, comete novo crime dentro do prazo de cinco anos após o cumprimento ou extinção da pena anterior, será considerada reincidente.
Em outras palavras, não importa se os crimes são distintos, nem o intervalo entre eles, desde que o prazo legal esteja em vigor. Isso significa que a reincidência pode atingir até mesmo quem cometeu um novo delito por circunstâncias isoladas, anos depois da primeira condenação.
Qual a diferença entre reincidência e maus antecedentes?
Apesar de frequentemente confundidos, reincidência e maus antecedentes são institutos distintos, com efeitos diferentes na prática penal.
Enquanto exige uma nova condenação definitiva dentro do prazo legal de cinco anos, os maus antecedentes se referem ao histórico criminal geral do réu, como condenações mais antigas ou já extintas. Ou seja, um réu pode ser primário (não reincidente), mas ainda assim possuir maus antecedentes.
Do mesmo modo, os maus antecedentes também influenciam a dosimetria da pena e dificultam o acesso a benefícios, mas não têm o mesmo peso técnico.
Quais são os efeitos práticos da reincidência?
A reincidência no Direito Penal tem efeitos severos — e afeta diretamente a vida do condenado. Entre as principais consequências, destacam-se:
- Agravante legal: conforme o artigo 61, inciso I, do Código Penal, a reincidência é considerada na segunda fase da dosimetria da pena, podendo elevar consideravelmente o tempo de condenação.
- Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, como prestação de serviços à comunidade, nos termos do artigo 44, inciso II, do CP.
- Dificuldade no acesso ao sursis penal (suspensão condicional da pena), que pode ser negado em função da reincidência, a depender das circunstâncias do crime.
- Impacto direto na progressão de regime: segundo a Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o reincidente precisa cumprir 60% da pena no regime atual para progredir, enquanto o réu primário cumpre apenas 40%.
- Restrições ao livramento condicional, que exige o cumprimento de 2/3 da pena nos casos de reincidência por crime doloso.
Logo, reincidir penalmente acarreta um caminho mais árduo dentro da execução penal, tornando a ressocialização ainda mais desafiadora.
Existem diferentes tipos de reincidência?
Sim. Apesar do Código Penal não trazer essa classificação expressamente, a doutrina e a jurisprudência costumam dividir a reincidência em:
- Reincidência genérica: quando os crimes são de naturezas diferentes.
- Reincidência específica: quando o novo crime pertence à mesma espécie do anterior.
- Reincidência real: qualquer novo delito após uma condenação anterior.
- Reincidência ficta: mencionada por parte da doutrina, mas pouco aplicada pelos tribunais, ocorre quando há nova infração antes mesmo da condenação anterior transitar em julgado.
Analogamente, essa divisão ajuda os operadores do Direito a interpretarem os efeitos da reincidência de maneira mais justa, sobretudo em relação à sua gravidade e influência na concessão de benefícios.
Reincidência em crimes hediondos: o que muda?
Em se tratando de crimes hediondos, a reincidência é ainda mais prejudicial. A Lei nº 8.072/90 impõe regras mais rígidas para esse tipo de crime, especialmente quando há reincidência específica.
Nesse contexto, o condenado reincidente perde o direito à anistia, graça ou indulto, além de ver endurecidas as regras para progressão de regime, que passa a exigir cumprimento de 70% da pena em alguns casos.
Portanto, a reincidência em crimes hediondos representa um verdadeiro obstáculo ao retorno gradual à liberdade, sendo tratada com máxima rigidez pela legislação.
Como os tribunais têm interpretado a reincidência?
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) mantêm o entendimento de que a reincidência deve ser avaliada de forma objetiva. No entanto, diversas decisões destacam que seu reconhecimento não pode ocorrer com base em inquéritos policiais ou ações penais em andamento — é necessário o trânsito em julgado da condenação anterior.
Além disso, os tribunais vêm exigindo fundamentações mais detalhadas e individualizadas por parte dos juízes que utilizam a reincidência como justificativa para negar benefícios na execução penal.
Em outras palavras, a reincidência continua sendo um elemento de peso — mas não pode ser usada de forma automática e desproporcional.
Casos práticos: como a reincidência interfere na execução penal?
Para ilustrar, imagine o seguinte exemplo: um réu é condenado por furto e cumpre integralmente sua pena. Três anos depois, ele se envolve em uma briga de trânsito e responde por lesão corporal dolosa. Mesmo que os crimes sejam distintos, e o segundo tenha ocorrido em circunstâncias completamente diferentes, ele será considerado reincidente.
Como resultado, ele poderá:
- Receber pena mais alta devido à agravante legal;
- Não conseguir substituir a pena por medidas alternativas;
- Ter que cumprir 60% da pena para obter progressão de regime;
- Enfrentar maiores exigências para o livramento condicional.
Esse exemplo mostra como o conceito de reincidência não está ligado à habitualidade no crime, mas sim a critérios legais objetivos — e, por isso, pode impactar qualquer cidadão que tenha cometido um novo crime dentro do período de cinco anos.
Quais estratégias a defesa pode adotar?
A defesa penal precisa estar atenta aos detalhes que envolvem o histórico penal do réu. Entre as estratégias mais comuns estão:
- Verificar o prazo de 5 anos entre a extinção da pena anterior e o novo crime;
- Analisar se há trânsito em julgado nas condenações;
- Questionar a legalidade da aplicação da reincidência nos casos de dúvida;
- Apresentar atenuantes legais para compensar o agravamento.
Além disso, é importante lembrar que o reconhecimento da reincidência deve vir acompanhado de fundamentação clara e objetiva por parte do juiz, sob pena de nulidade da sentença ou decisão.
Concluindo,
Por fim, compreender o conceito de reincidência no Direito Penal é essencial para uma aplicação justa da lei — e, acima de tudo, para evitar distorções que prejudiquem a individualização da pena.
Dessa forma, não se trata de rotular alguém como “criminoso reincidente”, mas de aplicar critérios legais objetivos com equilíbrio.
Ou seja, embora a reincidência produza efeitos restritivos severos, seu reconhecimento deve sempre observar os princípios da legalidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.
Portanto, conhecer em profundidade esse instituto permite compreender melhor o funcionamento do sistema penal — e, principalmente, evita julgamentos morais que não encontram respaldo na lei.
Somos Hubert & Carvalho, Escritório de Advocacia em Florianópolis
↗️ Siga no Instagram @hubertecarvalho
📧 Clique e entre em contato
📱 (48) 991829050